domingo, 22 de junho de 2008

Adolf Hiltler revelado pelos arquivos americanos (materia de 02/02/1950)

(A matéria abaixo surgiu na revista "O Cruzeiro", de 02/02/1950. Trata-se, portanto, de uma raridade)

ADOLF HITLER REVELADO PELOS ARQUIVOS AMERICANOS



Nascido de uma iniciativa americana, conservado durante vários anos nos arquivos do Departamento de Estado e nos relatórios pessoais do Presidente Truman, o documento aqui publicado foi considerado confidencial. Mas pertence à história. Descreve o homem que foi um dos maiores enigmas da nossa era, bem como um dos maiores flagelos do mundo: Adolf Hitler.
As autoridades norte-americanas em Nuremberg tiveram a idéia de ouvir um certo número de pessoas, de diversas profissões, que tivessem conhecido intimamente. Cada qual recebeu um questionário apropriado a seu papel e sua especialidade na vida do Führer. Por exemplo, os generais falaram de Hitler, o chefe do exército; os médicos falaram de suas características físicas e mentais; os íntimos referiram-se aos seus hábitos, suas amizades, suas aversões, etc.
O resultado desses depoimentos constituem provavelmente o retrato mais fiel e mais intimo jamais feito sobre Adolf Hitler.

HITLER E SEU CORPO

PRIMEIRA TESTEMUNHA – (Dr. Erwin Gieseng – otorrinolaringologista) – De 22 de julho a 7 de outubro de 1944, e em fevereiro de 1945, examinei e tratei Hitler cincoenta e cinco vezes.
Fisicamente é fácil descrevê-lo. Altura: 1 metro e 74 ou 75, musculatura mediana dos braços, das pernas e do abdômen, e não fazia nenhum exercício físico. Seu tórax um pouco pára dentro e sua respiração ofegante demonstravam uma mistura de astenia e leptossonia, a não ser que fosse devido ao esgotamento físico e moral. A camada de banha era normal; talvez um pouco mais grossa na barriga. Tinha o sistema piloso pouco desenvolvido, ao contrário da barba que era muito abundante. Nas axilas e no púbis, pilosidade normal. A pele do corpo, principalmente à luz artificial, era de uma palidez extraordinária. Nenhum defeito físico como alguns pretenderam, que Hitler tinha feito uma operação no lábio superior (diziam mesmo que tinha deixado crescer o bigode para esconder a cicatriz que esta operação tinha deixado). Nenhum aparelho dentário visível. Mas um grande numero de coroas e de dentes chumbados assim como um grande “bridge” de ouro na maxila inferior direita. Não tinha varizes nem pé chato. Órgãos totalmente normais, no lado posterior da coxa, veias ligeiramente aparentes. A hipertrofia do braço e do ombro direitos, da qual freqüentemente falavam, não existia ou então não era bastante pronunciada para que eu a notasse. A resistência física de Hitler, tendo o braço estendido horas a fio durante as manifestações do partido, é surpreendente.
Não tinha marca de vacinas no braço, mas sobre o corpo, várias cicatrizes:

1. bem no alto no lado anterior da coxa esquerda, uma profunda cicatriz, oval, antiga, incolor, resultado de um ferimento recebido em 1917;

2. na curva da perna direita, um pouco abaixo do meio do bordo superior da rótula, uma cicatriz incolor com um por dois centímetros, proveniente de uma explosão (bomba de 20 de julho de 1944);

3. no dorso da mão direita, uma cicatriz superficial, redonda, do tamanho de uma ervilha;
na orelha direita uma cicatriz bem visível, no tímpano;

4. na orelha esquerda, sob o martelo, uma cicatriz com 2 milimetros de comprimento;

5. na boca, no meio do céu da boca, uma cicatriz com 1 centimentro de comprimento, destacando-se na mucosa vermelha.

6. Sobre a mão esquerda, tinha um higroma (pequena excrescência causada pela inflamação das bolsas serosas). Seus dedos eram bastante longos e fortes. A extremidade ligeiramente cônica. Unhas curtas e chatas Lúnula bem visível em todos os dedos.

É certo que Morell lhe deu, três ou quatro vezes por semana, durante vários anos, injeções de açúcar de uva. O que não é certo é que Morell lhe tenha aplicado injeções de hormônio para apagar nele estigmas femininos. Não descobri em Hitler nenhum estigma feminino. E seu andar nada tinha de feminino ou de afetado. Ele próprio falou-me de um defeito na visão do olho direito. De acordo com o seu oculista, tratava-se de um começo de catarata. Ignoro se era de origem sifilítica. Em todo caso não tinha o mínimo sintoma de sífilis congênita. Hitler usava óculos para ver de perto. Vidro direito: 2,5 dioptrias; vidro esquerdo: 2 dioptrias. Todos os textos que lhe eram destinados deviam ser batidos por uma máquina especial que tinha os tipos particularmente grossos. Pulmões e coração normais; 72 pulsações por minuto. Pulso sonoro, regular, medianamente forte. Nada de anormal no circuito arterial. O nariz apresentava na narina esquerda um desvio: a cartilagem que o divide era deformada em direção à direita. A trompa esquerda estava nitidamente hipertrofiada no centro, com um começo de formação de pólipos.
A barriga era elástica e cedia facilmente a qualquer pressão. Nenhuma hipertrofia do baço e do fígado. A região da bexiga e a dos rins, livre. Nenhum traço de apendicetomia; nenhuma tendência para a hérnia.

120 COMPRIMIDOS POR SEMANA

Os dois exames neurológicos que fiz, em 26 de agosto e em 2 de outubro de 1944, não me permitiram (não mais que o exame radiográfico do crânio efetuado em 15 de setembro de 1944), revelar em Hitler lesões orgânicas do cérebro ou da medula espinhal. Em fevereiro de 1945, constatei um tremor em sua mão esquerda. Era uma espécie de paralisia agitada, nervosa, histérica. Nesta época o esgotamento intelectual e corporal de Hitler eram extraordinários. Da primavera de 1942 ao outono de 1944, sempre foi estimulado pela absorção freqüente de pílulas antigas contendo extrato de noz-vômica (estriquinina) e beladona na proporção de 0,04, o que o levou em setembro de 1944, a uma intoxicação com lesão do fígado e um derrame biliar que o deixou de cama durante um mês.

Sob o ponto de vista de sua constituição, Hitler era um sangüineo, com sintomas coléricos. Mas seu domínio sobre si era tão forte, que chegava freqüentemente, diante de estranhos, a dar a impressão de um homem de temperamento normal. /era um psicopata que não se podia convencer, mesmo quando os fatos falavam indiscutivelmente contra ele. Mas nunca fui testemunha de verdadeiros acessos de cólera ou de reações histéricas acompanhadas por atos excessivos tais como se jogar no chão, ou morder o tapete, etc.

Esta psicopatia constitucional e a convicção que tinha de saber e fazer tudo melhor que ninguém deram nascimento a um estado neurótico grave. Daí a importância que dava a observação do seu corpo, a atividade do seu estômago e seus intestinos, mania que tinha de sempre pensar na morte, a mania de soporíferos, de comprimidos, de injeções. No entanto Hitler não era um toxicômano.
Hitler não fumava nem bebia.
Tornou-se vegetariano a partir de 1933. Antes, comia muita carne, particularmente carne de porco bem gorda., da qual muito gostava.
É verdade que Hitler, para certas coisas, mostrava-se muito pouco exigente. Suas roupas, sua comida e seus hábitos pessoais eram simples. Mas por outro lado, gostava de construções luxuosas. Ficava contente por te um trem especial.

Seu conhecimento dos homens era medíocre. As pessoas que o cercavam estavam geralmente abaixo da média e precisamente nelas Hitler tinha mais confiança. Sua atitude amigável para alguns chefes dóceis mas incapazes (Keitel, Goering), e hostil para alguns chefes rígidos mas competnetes (Halder, Braushitsch, Rundstedt) é inexplicável. Como psicopata praticava os dois extremos: amabilidade excessiva para alguns membros; frieza total para outros dos seus colaboradores.

Como eu lhe disse uma vez: “Era o único chefe de Estado do mundo que tomou de 120 a 150 comprimidos por semana e recebeu de 6 a 10 injeções por semana!”
Não sei se Hitler tinha um sósia. Em todo caso nunca ouvi falar dele.

SEGUNDA TESTEMUNHA: (O Conde Von Schwerin, general das Forças Blindadas) – Alemão do Sul, tendo passado todos os anos de sua formação na Áustria ou na Baviera, Hitler era por natureza um estrangeiro aos alemães do Norte. Tinha tomado por modelo Frederico, o grande, e reconhecia a grandeza da obra realizada pela Alemanha do Norte sob a direção de Bismarck. Mas duvido que se tenha profundamente enraizado no modo de pensar e de sentir dos alemães do Norte.
Isto se traduzia nos domínios militares, por uma oposição íntima com a maior parte dos grandes chefes tais como: Fritsch, Branschitsch, Kleist, Bock, Manstein, Kluge, etc...
Hitler não tinha com eles nenhum contato profundo, ainda mais que a diferença de origem social era acrescentada a de origem geográfica. Sua desconfiança em relação ao Estado-Maior e ao conjunto de generais crescia sempre a despeito das vitórias obtidas no correr dos primeiros anos da guerra. Viu mesmo nestas vitórias a confirmação da idéia de que todos os sucessos alemães desde 1936 eram sua obra pessoal, realizada contra a oposição dos generalíssimos e do Estado-Maior.

Raramente a natureza reuniu em um só homem tão grandes contrastes como em Hitler. É pois extremamente difícil traçar dele um retrato realmente coerente. Seguindo o fim que queria atingir, era uma ou outra de suas qualidades que passava ao primeiro plano: a dureza ou a suavidade, a tenacidade ou a prudência, a obstinação ou a docilidade. Era impossível prever suas reações e em seguida, compreendê-las.
Possuía uma inteligência viva e muito penetrante, uma capacidade de assimilação rápida, fortes disposições para a matemática, uma memória como poucas e a faculdade de discernir claramente o essencial. A isto acrescente-se um talento oratório incontestável. Tal conjunto assegurava-lhe uma superioridade nas discussões que, mesmo os generais que tinham a palavra fácil tais como Bock e Von Manstein, não lhe faziam frente. Era capaz de justificar o seu modo de ver de uma maneira tão lógica, tão demonstrativa e tão indiscutível que obrigava o adversário a dar-se por vencido.

HITLER QUERIA CONVENCER

Quando todos os meios de persuasão tinham sido usados, Hitler, na sua qualidade de chefe de Estado e do Exército, recorria ao meio supremo: a ordem. Mas acho que ficava então insatisfeito. Não se podia adivinhar o que pensava. Era por vezes afável e delicado, mas geralmente duro até a brutalidade e tenaz até a obstinação. Era essencialmente uma natureza de artista que se tinha recoberto progressivamente com uma couraça de inflexibilidade. Não podíamos nunca prever se uma conferência seria levada com calma ou se provocaria um daqueles excessos coléricos tão famosos. Às jogava brutalmente sobre a mesa o lápis que tinha na mão e corria de um lado para outro como um louco.

Várias vezes fui testemunha de cenas deste gênero: quando recebeu o relatório do Coronel-General Hoeppner, sobre o revés diante de Moscou, em fins de 1941; quando da volta do Cáucaso do Coronel-General Jodl, em agosto de 1943; pouco antes do Coronel-General Halder ser reformado: quando dos danos sofridos pelas forças blindadas do General Heim, em novembro de 1942, quando pela luta sustentada oelo Coronel-General Zeitzler, por ter abandonado Stalingrado, etc...Estas cenas se agravaram pela freqüência, em diferentes ocasiões principalmente quando falavam do estado de Branschitsch, de Beck, de Von Bock, de Forster, mais tarde também de Manstein. Os espectadores só podiam esperar em silêncio que Hitler se acalmasse senão haveria pior.

O cumulo é que em alguns casos, Hitler podia ser acessível aos conselhos e mesmo acolher com alegria e reconhecimento as propostas que lhe eram feitas. A única coisa que um interlocutor nunca podia falar, era contradizê-lo em público. Neste caso, estava perdido.
Sua tenacidade, ligada à sua força de vontade, fizeram-no passar de domínio da dura realidade para o reino das quimeras. Depois de 1942 principalmente, tanto nas pequenas coisas como nas grandes, deixou de ver a situação como era para vê-la como queria que fosse. È assim que, em 1943-1944, acreditou que os russos estavam esgotados e abandonou sistematicamente os cálculos do estado-maior que diziam o contrário. Assim acreditou na possibilidade de se manter diante de Stalingrado; na bacia do Donetz; na Criméia; nos países Bálticos; manter uma cabeça de ponte em Salerno; em Budapeste, etc....
Assim acreditou até o último dia na derrota dos seus inimigos.

É A HISTÓRIA QUE TINHA ENSINADO A GUERRA A HITLER

Continua......

domingo, 15 de junho de 2008

A Arte e Isadora Duncan


Em São Francisco, em 1878, Isadora O’Gorman Duncan, senhora muito ativa e que tocava piano com muito gosto, resolveu divorciar-se do marido, o distinto senhor Duncan, cuja conduta foi, ao que parece, muito pouco delicada. A questão afetou-lhe tanto os nervos, que disse aos filhos que o estômago não suportava senão um pouco de champanha e ostras. E no meio do ressentimento, das acusações e dos desgostos domésticos – num mundo de pensões iluminadas e gás e mantidas por belezas meridionais arruinadas, magnatas ferroviários e porta giratórias, de bebedores de uísque que mascavam cravo para que lhes notassem o mau hálito e escarradeiras de lata, carros de quatro rodas e cinturas justas, de desocupados e vestidos compridos, de muitos babados e cauda (num mundo no qual salas de conferências e de concertos davam direito a chamar-se senhoras cultas e constituíam o centro da vida daquele que tivesse aspirações) – teve uma filha a que deu o próprio nome:Isadora.

O rompimento com o senhor Duncan e a descoberta de sua duplicidade, converteram a senhora Duncan em feminista fanática, em atéia e apaixonada entusiasta das conferências e artigos de Bob Ingersoll. Onde estava escrito Deus, lia Natureza; onde estava escrito Dever, beleza; e somente o homem é vil.A Senhora Duncan lutou muito para criar seus filhos no amor à beleza e no ódio aos coletes, às convenções e às leis ditadas pelos homens. Deu lições de piano, fez bordados e teceu chalés e luvas. Os Duncans estavam sempre cheios de dívidas. Deviam sempre o aluguel da casa.As primeiras lembranças de Isadora eram as de adulações aos vendeiros, açougueiros e proprietários de casas e a venda de gulodices que sua mãe fazia, de porta em porta, e ajudando a tirar as maletaas por uma porta dos fundos, quando tinham de passar calote nas pensões, uma atrás das outras, todas pobres e com muitas pretensões.Os pequenos Duncans e a mãe formavam um clã: os Duncans contra o mundo grosserio e sórdido. Não eram católicos nem prostestantes, nem quakers, nem batistas; eram artistas.Ainda pequenos, os meninos chamavam a atenção da vizinhança, dando representações teatrais num celeiro.

Elizabeth, a mais velha, dava lições de danças de salão. Como eram do Oeste, o mundo lhes parecia uma quimera. Não se envergonhavam de mostrar-se em público. Isadora tinha olhos verdes, cabelos avermelhados e um pescoço e uns braços magníficos. Como não podia pagar as lições de dança, inventou sua própria dança.Mudaram-se para Chicago. Isadora dançou na festa organizada pelo Washington Post, no jardim do templo maçônico e conseguiu um emprego de cincoenta dólares por semana. Dançava nos clubes. Foi ver Augustin Daly e disse-lhe que havia descoberto a Dança. Em Nova Iorque, fez o papel de fada, numa representação de Sonho de uma Noite de Verão, com Ada Rehan.Os Duncans seguiram para Nova Iorque. Alugaram uma grande sala em Carnegie Hall, puseram colchões nos cantos, penduraram cortinas nas paredes e fundaram o primeiro estúdio de Greenwich Village. Estavam sempre com medo de que a policia os apanhassem. Passavam a vida bajulando os comerciantes que lhes apresentavam as contas, fazendo a dona esperar pelo aluguel e arrancando dinheiro dos ricos. Isadora organizou recitais em Ethelbert Nevin. Interpretava, dançando, os poemas de Omã Khayyam, para as senhoras da sociedade de Newport.

Quando o Hotel Windsor se incendiou, perderam todas as cousas, inclusive as contas que deviam, e embarcaram para Londres num navio de transporte de gado, fugindo do materialismo da América.No Museu Britânico, descobriram os gregos. A Dança era grega.Sob as fumarentas chaminés de Londres, nas praças cobertas de fuligem, dançaram com túnicas de musseline, copiaram atitudes das ânforas gregas, percorreram galerias de arte, assistiram a conferências, concertos e representações, encheram-se, num inverno, de cincoenta anos de cultura vitoriana.Sempre que eram postos para fora, por não pagar aluguel, Isadora, os levava para os melhores hotéis, alugava uma série de salas e ordenava aos criados que se apressassem em servir lagosta, champanha e frutas que não fossem da estação. Nada era bom demais para os artistas, os Duncans, os gregos. E a frescura de Isadora encantava à Londres do século dezenove. Dançavam em festas de aristocráticas mansões de Kesington e Mayfair. Os ingleses, do Príncipe Eduardo para baixo, sentiam-se escravos de sua beleza pré-rafaelita, de sua inocência cheia de vida, de seu sotaque californiano.

Depois de Londres foi Paris da Exposição Universal de 1900. Isadora dançou com Louie Fuller. Era ainda uma virgem muito tímida, para compreender as insinuações de um Rodin, o grande mestre, que então se achava inteiramente desconcertado com as extravagâncias do bando de moças aloucadas e homossexuais de Louie Fuller. Os Duncans eram vegetarianos, desconfiavam da vulgaridade, dos homens e do materialismo. Raymond fez sandálias para todos. Isadora, sua mãe e seu irmão Raymond, correram a Europa em sandálias, com véus à cabeça e vivendo a vida grega da natureza numa sinfonia de contas a pagar.O primeiro recital de Isadora teve lugar num teatro de Budapeste. Depois disto, tornou-se a diva e teve uma aventura com um ator. Em Munique, os estudantes desatrelaram os cavalos do seu carro. Tudo eram flores, aplausos e champanha. Fez furor em Berlim. Com o dinheiro que ganhou na excursão artística pela Alemanha, levou todos os Duncans à Grécia.Chegaram num bote de pesca a Itaca.

No Partenon, posaram para os fotógrafos. Dançaram no Teatro de Dionisios. Ensinaram um bando de meninos esfarrapados a cantar o antigo coro das Suplicantes. Construíram um templo para morar, numa colina que dominava as ruínas da velha Atenas. Mas na colina não havia água e antes que o templo estivesse concluído o dinheiro acabou.Tiveram que hospedar-se no Hotel d’Angleterre, onde chegaram a dever uma boa soma. Quando o crédito acabou, levaram o coro para Berlim e representaram os Suplicantes em grego antigo. Ao ver Isadora envolta em seu peplo, caminhando pelo Tiergarten à frente dos meninos todos vestindo túnicas gregas, o cavalo da imperatriz assustou-se e atirou Sua Majestade ao chão.Isadora ficou na moda. Chegou a São Petesburgo a tempo de ver o funeral noturno dos revolucionários mortos a tiro em frente ao Palácio de Inverno, em 1905. Teve muita pena.

Ela era norte-americana como Walt Whitman. Os governos que cometem assassinatos não eram de sua classe. Sua gente eram os manifestantes. Os artistas nunca estavam do lado das metralhadoras. Era uma norte-americana de túnica grega estava com o povo.Em São Petersburgo, que ainda estava enfeitada pelo balé século dezoito da corte do Rei Sol, suas danas foram consideradas perigosas pelas autoridades.Na Alemanha, fundou uma escola com auxilio de sua irmã Elizabeth, que teve a seu cargo toda a organização; e deu à luz uma filho de Gordon Craig.Fez na América a entrada triunfal que sempre havia planejado e deixou os filisteus consternados com uma excursão artística. Seus companheiros eram detidos pela policia, por vestirem túnicas gregas. Na democrática América não havia liberdade para a Arte.O regresso a Paris foi uma apoteose: Arte significava Isadora. No funeral do Príncipe de Polignac conheceu o milionário (rei da máquina de costura) que seria o futuro provedor e financiador da sua escola. Foi com ele no seu iate (tudo o que Isadora fazia era Arte) dançar no Templo de Paeston, só para ele. Mas chovia e os músicos ficaram molhados até os ossos e todos preferiram embebedar-se.A vida do milionário era Arte. Arte era tudo o que Isadora fazia.

De volta, pela segunda vez, ao seu país, escandalizou, com sua dança, as velhas senhoras dos clubes e as solteironas aficionadas das artes. Também já mostrava no ventre o filho do milionário. E deu para beber e avançar até o palco, discutindo com os artistas.Isadora estava no auge da glória e do escândalo, do poder e da riqueza. A escola progredia, o milionário ia construir um teatro em Paris, os Duncans eram sacerdotes de um culto (Arte era o que Isadora fazia).O automovel que, em Paris, levava seus filhos, parou numa das pontes do Sena. Esquecendo-se de que o carro estava com o cambio ligado, o chofer deu a partida. O motor arrancou e o automóvel caiu no rio.Os meninos e a ama afogaram-se.O resto da vida, Isadora viveu num desespero, entre alvoroços de escândalos, caras irônicas de jornalistas, ameaças de procuradores, demandas de gerentes de hotéis que apresentavam contas atrasadas.

Isadora bebia demais, não podia deixar os jovens tranqüilos, usava o cabelo com vários tons de vermelho, nunca se preocupava em pintar-se como devia. Descuidava dos vestidos e jamais soube em que gastava dinheiro. Mas a impressão de saúde enchia a sala, quando a figura de braços maravilhosos avançava, lentamente, do fundo do cenário. Não sabia o que era medo; era uma grande bailarina.Em São Francisco, sua cidade natal, os políticos não permitiram que ela dançasse no Teatro Grego, que haviam construído por sua influência. Onde ia, ofendia aos filisteus. Quando a guerra estalou, dançou a Marselhesa. Isso, no entanto, pareceu irreverente e sentiram-se ofendidos por não haver renegado a Wagner, nem ter mostrado respeitáveis instintos de matança.Em sua excursão pela América do Sul, ligou-se com homens, em todas as partes: um pintor espanhol, alguns lutadores de boxe, um foguista de navio, um poeta brasileiro - deve ser João do Rio (Paulo Barreto), ao menos pelo que se pode deduzir das refrencias que ele faz a Isadora, em sua autobiografia. Procovou escândalos nos salões de tango. Chamou os argentinos de negros do palco. Embebedou-se de triunfo, em Montevidéu e no Brasil. Mas, enquanto tinha dinheiro, não podia evitar e gastava a rodo com dançarinos de tango, donativos, ceias depois do espetáculo e toda uma seqüência de loucuras. Tudo por sua conta. Os empresários aborreciam-na. Não sabia o que era, não se envergonhava com as murmurações, nem com as manchetes dos vespertinos.

Quando outubro levantou o pano do Velho Mundo, lembrou-se de São Petersburgo, dos esquifes deslisando pelas ruas silenciosas, dos rostos pálidos e dos punhos cerrados daquela noite e dançou a Marcha Eslava, pondo um lenço vermelho diante do nariz das velhas senhores de Boston, no Symphony Hall.Mas quando foi à Rússia, com a esperança de encontrar uma nova escola de trabalho, uma vida livre – viu que tudo ali era grande demais, difícil demais.Quando já lhe era impossível obter mais dinheiro para a Arte, para as pessoas que comiam e bebiam nos seus aposentos de hotéis, para alugar Rolls-Royces e para a manutenção de seus discípulos e alunos – Isadora foi para a Riviera escrever suas memórias, afim de arrancar um pouco de dinheiro do publico norte-americano que, depois da guerra, havia despertado para os gregos, o escândalo e a Arte, e ainda tinha dólares para gastar.

Alugou um estúdio em Nice, mas nunca pode pagar o aluguel. Tinha brigado com o milionário. Suas jóias, sua famosa esmeralda, seu manto de arminho, seus objetos de arte, foram parar em casas de penhor ou em mãos de usurários. Tudo o que lhe restava eram os velhos cenários azuis que tinham visto seus grandes triunfos, uma carteira de couro vermelho e um velho abrigo de pele, descosturado nas costas. Não podia deixar de beber ou de lançar-se nos braços do primeiro que lhe aparecesse. Quando dispunha de dinheiro, organizava uma festa. Tentou afogar-se e um oficial da marinha inglesa tirou-a do mediterrâneo batido de luar.Um dia, encontrou num pequeno restaurante de golfe, Juan, um jovem italiano, que tinha uma garagem e dirigia uma pequena Bugatti de corrida. Disendo-lhe que talvez se decidisse a comprar o automóvel, pediu-lhe que fosse a seu estúdio, para que a levasse a dar um passeio. Seus amigos não queriam que fosse, diziam que o italiano era um simples mecânico, mas Isadora insistiu. Tinha bebido uns copos (no mundo só lhe interessavam a bebida e os jovens simpáticos...), ligou-se ao italiano, lançou para trás a echarpe de longas franjas para envolver o pescoço, com seu largo gesto habitual, virou a acabeça e disse com o sotaque californiano que jamais pode esquecer:“Adieu, mês amis, je vais à la glorie «O mecânico deu a partida e o carro arrancou. A pesada echarpe, que pendia para fora do carro, enroscou-se numa roda, puxou violentamente a cabeça de Isadora para o lado..O automóvel deteve-se instantaneamente. Tinha o nariz arrebentado, o pescoço pendendo...Estava morta.


(Extraído de "Dinheiro Graúdo" – John dos Passos – edição 1938)