domingo, 16 de dezembro de 2007

A origem do Natal, ou Como uma data fajuta faz a cabeça dos cristãos

A maioria dos cristão desconhece a origem do Natal. Na verdade, a data de 25 de dezembro está ligada às festas pagãs, sem relação nenhuma com Jesus Cristo pois na verdade este dia era dedicado ao deus Mitra.

A origem da árvore de Natal também vem de época bem remota.
Começou na Antiga Babilônia com Nimrod (que quer dizer Rebelde), neto de Cã, filho de Noé. Fundador da Torre de Babel, Nimrod casou-se com a própria mãe, Semiramis, que após a morte do filho-marido, começou a propagar sua adoração, alegando que um grande pinheiro havia crescido da noite para o dia, de uma pedaço de árvore morta, que simbolizava o desabrochar da morte de Ninrod para uma nova vida. E assim, anualmente, no dia do aniversário do falecido filho/marido, ela dizia que este visitava a árvore “sempre viva” e deixava presentes nela.

O dia de nascimento de Nimrod era 25 de dezembro. Sabe-se também que o carvalho era sagrado entre os druidas, as palmeiras entre os egípcios, e o abeto entre os romanos, que era decorado com cerejas negras durante as Saturnais (ou Saturnália). Acreditava-se também que o deus escandinavo Odin dava presentes na época do Natal a quem se aproximasse do seu Abeto Sagrado.

Após sua morte, Semiramis e seu filho/marido Nimrod converteram-se também em objeto de adoração, tendo sido adorados por diversos nomes em lugares diferentes como “Rainha dos Céus” dos Babilônios e Nimrod, por sua vez, converteu-se em “Divino Filho do Céu” passando a ser considerado como”filho de Baal, o Deus-Sol”.

Com o decorrer dos séculos, mãe e filho se transformaram-se em objetos principais de adoração e a sua veneração espalhou-se pelo mundo antigo: “A mãe a criança”, “Virgem e o menino”, recebendo vários nomes como Isis e Osíris no antigo Egito, Cibele e Deois na Ásia, Fortuna e Júpiter na Roma Pagã e em outros lugares do mundo, criando a imagem de “mãe de Deus”, muito tempo antes do nascimento de Jesus Cristo.

O mundo pagão celebrava o dia 25 de dezembro como o dia do nascimento de Isis (ou “Rainha do Céu) muito tempo antes do Imperador Constantino torná-la data comemorativa do nascimento de Cristo. Os persas comemoravam este período como o nascimento de Mitra, o Deus Sol, e acreditavam que um pequeno sol nascia sob a forma de um bebê, comemorando em 25 de dezembro o Dia do Nascimento do Sol Invicto (que os romanos chamavam de Natalis Solis Invicti). Jantares e árvores verdes ornamentadas para espantar os maus espírito da escuridão eram comuns e presentes de bom agouro eram ofertados aos amigos.

Os Druidas, que tiveram vários de seus rituais apropriados pela Igreja Católica de Roma, comemoravam este dia, e as festividades aconteciam ao redor do monumento de Stonehenge, construído em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano.

Com o crescimento da religião católica, que incorporou em sua ortodoxia vários costumes pagãos, principalmente para ganhar adeptos, Constantino aproveitou esta data, onde se comemorava a festividade da brunária (25 de dezembro), as Saturnais (ou Saturnália) de 17 a 24 de dezembro - celebrando o solstício de inverno que é quando o sol atinge o seu afastamento máximo da linha do equador, tornando as noites mais longas e marcando o início do inverno, e o “Novo Sol”, e as Calendas, quando se iniciava um ano novo -, dando assim um golpe político para trazer a massa de cristãos recém-convertidos ao cristianismo e aproveitando a influencia do maniqueísmo pagão que identificava o filho de Deus como o Sol físico, decretando que esta festa do dia 25 de dezembro (dia do nascimento do deus-sol, ou solstício), seria a data comemorativa do nascimento do filho de Deus. Desta forma o”Natal” – ou seja, dia do nascimento-, se enraizou no mundo ocidental.

As Saturnais era orgias carnavalescas (ou seja, “da carne”), onde havia muito vinho e depravação, em homenagem ao deus Saturno. Durante as Saturnais a orgia era comandada por um chefe de folia, uma espécie de Rei Momo, um homem gordo, que representava Saturno, ceias fartas, troca de presentes e a queima de velas.

Juliano, o Apóstata, sobrinho de Constantino, que também era adorador de Mitra, disse a respeito desta celebração do dia 25 de dezembro:

“Antes do início do ano, no final do mês cujo nome é segundo Saturno (dezembro), celebramos em honra de Hélios (o Sol), os jogos mais esplendidos e dedicamos o festival ao Invencível Sol. Que os deuses governantes me concedam louvar e sacrificar neste festival. E sobre os outros, que Hélios mesmo, o rei de todos, conceda-me isto”

É importante ressaltar que este costume foi adotado a partir de 336 d.C. e é desta época o início da adoração da “virgem e o menino”, trazidos pelos novos cristãos, pagãos recém convertidos, que continuaram a adorar o Sol, festejando o nascimento do astro-rei, agora transformada na celebração do nascimento de Jesus Cristo. Desta forma, o paganismo foi introduzido dentro do cristianismo.

Interessante é que Jesus Cristo, conforme a bíblia sagrada diz, não pediu que se comemorasse seu nascimento, mas sim sua morte conforme relatado em Lucas 22:19, onde diz: “E, tomando o pão e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim”.

sábado, 23 de junho de 2007

Dinheiro e sexo - As supremas ilusões

Existem duas ilusões bastante diferenciadas em nossa cultura – uma relacionada com o dinheiro e a outra com o sexo. A ilusão de que o dinheiro é onipotente, que ele pode solucionar todos os problemas e trazer ao seu proprietário toda a alegria e felicidade, é responsável pelo culto ao dinheiro.
De maneira similar, o culto ao sexo provém de uma crença na onipotência do sexo. Na opinião daqueles que partilham destas ilusões, o encanto sexual, assim como o dinheiro, é um poder que pode ser usado para abrir as portas do céu. Para muita gente, dinheiro e sexo tornaram-se as divindades supremas.
Todo paciente esquizóide possui a ilusão de que o sexo é onipotente. Toda moça esquizóide, embora cônscia de não ser aclamada “deusa do amor”, tem uma profunda convicção da irresistibilidade do seu encanto sexual. Algumas o “demonstram”, ao passo que outras tem este sentimento encoberto pelo medo e pela ansiedade. Esta ilusão dá uma uma importância indevida ao sexo, negligenciando assim a personalidade total.
Sexo e personalidade são dois lados da mesma moeda. A tentativa de divorciar o sexo de sua base na personalidade total conduz à ilusão da "sofisticação" sexual. O "sofisticado" sexual utiliza o sexo como meio de se relacionar ou como instrumento de poder. Esta utilização do sexo distorce a sua função. Em vez de se constituir numa expressão de sentimento pelo parceiro sexual, ele se torna uma manobra para fazer inflar o ego da pessoa e estabelecer a sua superioridade.
O homem que desempenha o papel do irresistível "Casanova" procura corresponder a uma imagem egóica de si próprio como "grande amante". A mulher que se julga sexy acredita que o seu encanto sexual demonstra a superioridade de sua feminilidade.
O fato de o sexo ser uma expressão de sentimento e que um corpo sem sentimento é desprovido de sexualidade são verdades que o individuo esquizóide ignora. A ilusão do sexualismo torna erroneamente a aparência como se fosse o conteúdo, e confunde "sofisticação" sexual com maturidade sexual. Esta ilusão, assim como muitas outras, evolui com um exagero da situação da infância. Ela representa uma fixação no nível edipiano e é uma ampliação dos sentimentos incestuosos entre pais e filhos.

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O comportamento destrutivo visto hoje em dia no alcoolismo, no vício em drogas, na deliqüência e na promiscuidade, reflete o grau até onde os indivíduos em nossa cultura tornaram-se isolados, desligados e desesperados. Pouca diferença faz se a depressão é real ou imaginária, exceto que no desespero real a estratégia de defesa é interrompida logo que a emergência é ultrapassada. O indivíduo esquizóide, todavia, vive num estado contínuo de emergência. A sorte específica que ele teme, pode ser determinada a partir do seu comportamento, uma vez que este comportamento constitui simultaneamente um desafio à sua sorte e uma tentativa de precaver-se contra as conseqüências desastrosas.
Quando o individuo esquizóide age de forma tal, ele tenta explicar seu isolamento, a sua inutilidade e o seu vazio.

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Continua.

Extraido de "O corpo traído - Dr. Alexander Lowen, edição 1979"

sexta-feira, 1 de junho de 2007

11 coisas que estudantes não aprenderiam na escola

Dizem que o texto abaixo foi dito por Bill Gates em uma conferência numa escola secundária sobre 11 coisas que estudantes não aprenderiam na escola. Fala sobre como a política do “sentir-se bem” tem criado uma geração de crianças sem noção da realidade e como esta política tem levado as pessoas a falharem em suas vidas posteriores à escola.
A vida pode ser cruel, e a crueldade pode atingir qualquer um, principalmente aqueles que não tem os pés firmes no chão

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Regra 1: A vida não é fácil - acostume-se com isso.

Regra 2: O mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que você faça alguma coisa útil por ele ANTES de sentir-se bem com você mesmo.

Regra 3: Você não ganhará US$ 40,000 por ano assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição antes que você tenha conseguido comprar seu próprio carro e telefone.

Regra 4: Se você acha seu professor rude, espere até ter um chefe. Ele não terá pena de você.

Regra 5: Fritar hambúrgueres não está abaixo da sua posição social. Seus avós têm uma palavra diferente para isso - eles chamam de oportunidade.

Regra 6: Se você fracassar, não é culpa de seus pais, então não lamente seus erros, aprenda com eles.

Regra 7: Antes de você nascer seus pais não eram tão chatos como agora. Eles só ficaram assim por pagar as suas contas, lavar suas roupas e ouvir você falar o quanto você mesmo era legal. Então antes de salvar o planeta para a próxima geração querendo consertar os erros da geração dos seus pais, tente limpar seu próprio quarto.

Regra 8: Sua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores, mas a vida não é assim. Em algumas escolas você repete mais de um ano e tem quantas chances precisar até acertar. Isto não se parece com absolutamente NADA na vida real.

Regra 9: A vida não é dividida em semestres. Você não terá sempre os verões livres e é pouco provável que outros empregados o ajudarão a cumprir suas tarefas no fim de cada período.

Regra 10: Televisão NÃO É vida real. Na vida real, as pessoas têm que deixar o barzinho ou a cafeteria e ir trabalhar.

Regra 11: Seja legal com os "Nerds". Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar para um deles.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Egar Rice Burroughs, autor de Tarzan dos Macacos












Desde o dia em que nasceu, 1 de setembro de 1875, em Chicago, até àquele em que ofereceu a sua primeira história a All-Story Magazine, em 1911, Edgard Rice Burroughs fracassou em quase tudo o que tentou. Freqüentou meia duzia de escolas públicas e particulares antes de se formar na Academia Militar de Michigan. Não tendo conseguido designação para um posto em nenhuma unidade militar - nem mesmo no exército chinês - acabou sentando praça no Sétimo Batalhão de Cavalaria dos Estados Unidos. Mas, ao dar baixa, continuava sendo praça. Uma sucessão de dezoito empregos diferentes e tentativa comerciais se seguiram ao seu casamento em 1900, com Emma Centennia Hulbert - e, em 1911, teve que empenhar o relógio a fim de comprar comida para a família.Tendo passado quase toda a vida a rabiscar, esboçar e escrever versos para se divertir, ERB decidiu, neste ponto baixo da vida, quase passando fome, ver se o público receberia tão bem os seus vôos de imaginação, como os recebiam os seus amigos e a sua familia.

Sua primeira história - escrita no verso de folhas de papel timbrado de empresas falidas pois não tinha dinheiro para comprar papel de qualidade - lhe trouxe quatrocentos dólares. Hoje, aquela história, "Uma Princesa de Marte", é aclamada como um ponto de partida para a ficção-cientifica do século XX.A seguir, ERB escreveu um romance histórico. Foi rejeitado. Novamente sem vintém, quase desistiu. Mas uma carta de apenas uma linha, que lhe escreveram os editores, lhe deu ânimo para continuar: "Coragem - não desista!". A próxima história decidiria o seu futuro. Foi Tarzan dos Macacos.Tarzan dos Macacos demonstrou ser um êxito espantoso desde o instante em que apareceu em All-Story Magazine, em 1912, mas trouxe para ERB apenas setecentos dólares. E, como a história tinha surgido inicialmente numa revista popular, foi rejeitada por quase todos os principais editores de livros no país. Entretanto, quando Tarzan dos Macacos foi editado em livro, finalmente, por A.C. McClurg & Company, tornou-se o best-seller de 1914.

Uma torrente de romances vieram a seguir: histórias a respeito do planeta Vênus, histórias sobre os índios apaches, contos de faroeste, comentários sociais, histórias policiais, contos passados na Lua e no centro da Terra. Apareceram mais e mais livros de Tarzan. Finalmente, quase cem livros saíram de autoria de ERB, que se gaba de "não ter a mínima idéia de como se escrevia uma história".
Em 1918, Tarzan chegou à tela. "Tarzan dos Macacos", com Elmo Lincoln no papel principal, foi o primeiro filme da História a obter uma renda bruta de mais de um milhão de dólares. Desde então, produziram-se trinta e nove filmes de Tarzan, cada um deles com grande êxito financeiro. Embora gostasse de caçoar das películas, ERB ficou amargamente desapontado com os filmes de Tarzan. Muitas vezes nem ia vê-los. O seu Tarzan era um homem supremamente inteligente, sensível, verdadeiramente civilizado; heróico, belo e, acima de tudo, livre. O mundo conhece bem a caricatura semi-analfabeta que Hollywood fez de Tarzan.

Em 1919, com sua segurança financeira assegurada, ERB comprou a propriedade do General Harrison Gray Otis, na California, de cerca de duzentos hectares, dando-lhe o nome de "Fazenda Tarzana". Ali, escreveu prodigiosamente e dirigia a empresa de âmbito mundial que é hoje Edgar Rice Burroughs, Inc. Em 1941, apresentou-se como voluntário para ser correspondente de guerra e, finalmente, voltou do Pacífico Sul para casa - na qualidade de o mais idoso correspondente norte-americano - somente após ter sofrido uma série de ataques do coração.Passou o resto de seus anos como semi-inválido, numa casa modesta na Avenida Zelzah, em Encino, na California, onde pousou a pena pela última vez aos 19 de março de 1950. As suas cinzas foram levadas de volta a Tarzana, onde, de acordo com seu próprio desejo, repousam em túmulo sem marca.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Jean Genet, o mensageiro do Inferno




Jean Genet, o poeta ladrão, explica seus crimes pela poesia

A Praça da Bastilha, em Paris, é uma atração fatal para os criminosos...como o cemitério de Pantin, onde os "gangsters" costumam enterrar-se mutuamente, depois dos ajustes de contas, nas tardes de chuva. Através da porta de vidro de um café miserável, Jean Genet olhava os paralelepípedos esbranquiçados pela neve. Havia ali o traçado dos antigos muros da prisão de Voltaire e do Máscara de Ferro. Adiante, os carrosséis de um parque de diversões e as árvores esqueléticas de um bulevar justificava a pintura eriçada de Bernard Buffet. Genet começou a falar:
- Há quem me considere esnobe porque freqüento tais lugares. Dizem os jornais que Jean Anouilh, na sua última peça, l’Hurluberlu, enumera um poeta pederasta e ladrão entre as atrações do society parisiense, como se eu fosse um dos males da República. Pensando assim, os juízes já me botaram dezoito vezes na cadeia. Essa gente me faz rir. Que é que você me toma?
Um vagabundo alcoolizado rodava em torno de si mesmo, na calçada fronteira, como se tivesse perdido algo e procurasse. O olhar cinzento de Genet pousou no homem:

- Meu verdadeiro “habitat” é aqui. Fora dele, feneço como uma rosa cortada. Os criminosos constituem um universo proibido, no qual as virtudes proverbiais perdem o sentido. O ar que os criminosos respiram é nauseabundo: cheira a sangue e a sexo. Ora, possuindo condições incontroláveis de erotismo, mergulhei no mal com a alma limpa. Fora do crime, não existo. Dentro dele, justifico-me. É neste café que costumo rever os amigos saídos da cadeia. Eles me contam as novidades da prisão, os potins do nosso mundo concentracionário. Se você tivesse chegado um pouco antes, teria conhecido Minosa e Divine, duas camélias do meu jardim. Ambos acabam de cumprir oito meses na Santé, por causa de um roubo. Contaram-me que Gaby, o sátiro do Bois de Boulogne, perdeu a linha diante da guilhotina. Eu sabia que Gaby acabaria decepcionado. Detesto os criminosos covardes, os inconscientes. Mas, enfim, há quanto tempo não nos víamos?

Havia anos que não nos encontrávamos. Talvez desde 1954, quando conhecemos, por acaso William Faulkner, numa saída do metrô. Em Paris, os amigos podem trafegar a vida inteira sem se encontrarem.

- Mas você tem recebido os meus livros? Ainda bem: não perco a esperança de ser traduzido e conhecido no Brasil. Vocês continuam refratários à minha literatura?

Nesse meio tempo, a fama de Genet atravessou a Mancha e o Atlântico, instalando-se confortavelmente em Greenwich-Village, o bairro latino de Nova Iorque. Em Londes, o pessoal de Mayfair criou um teatro íntimo para encenar a última peça do poeta. Mas Paris não teve coragem de montá-la: o Chefe de Polícia alegou que poderia haver distúrbios.

- Nós, os latinos, somos deliciosamente hipócritas. Em todo caso, editam-me aqui, o que já é uma grande concessão ao espírito e à inteligência.

O primeiro livro de Genet, “Pompas Fúnebres”, foi publicado clandestinamente, em 1948, por um editor corajoso.O poeta ainda se encontrava na prisão, cumprindo pena de cinco anos. Tratava-se de um romance sorbre a ocupação da França pelos alemães, mas seus personagens eram invertidos sexuais. Jean Cocteau, Jean Paul Sartre e Albert Camus, impressionados com o talento do autor, solicitaram para ele o perdão do Presidente da República, Vincente Auriol. A ficha de Genet dizia: “furto com violência” e “atentado ao pudor”. Libertado, publicou dois outros livros , escritos na prisão: “Notre Dame dês Fleurs”, novela poética de um submundo social, e “Haute Surveillance”, peça teatral logo encenada com escândalo no Teatro dês Mathurins. Então, Genet começou a sentir as conseqüências mundanas do sucesso literário: os círculos elegantes de Paris disputavam sua presença. A pintora Leonor Fini transformou-o numa atração para o seu apartamento. Os Anchorena, da Argentina, incluíam-no nos seus jantares do Bois do Boulogne, Jacques Fath hospedou-se quinze dias no seu castelo.

- Expunham-me como um animal raro do jardim zoológico. Mas a minha passividade durou pouco. A destruição do presidiário que havia em mim doía-me como se fosse um castigo do castigo. Libertando-me, operavam-me da infância, acordavam-me antes do tempo.

NA ESPANHA, TORNOU-SE UM “PERCEVEJO CONSCIENTE”


Jean Genet retornou ao crime, mas evitando uma volta à cadeia. Suas artes, ele as exercia contra os editores, vendendo três ou quatro vezes os direitos de publicação de um dos seus livros, ou contra as famílias que o convidavam, furtando-lhes objetos preciosos.

- Quanto ao resto, o ambiente era favorável: há mais vício na alta sociedade do que em Pigalle ou em Montparnasse. Monsieur Anouilh pode falar: é o seu direito. Mas fala por despeito.

Quando o editor Gallimard publicou, há alguns anos atrás, as obras completas de Genet, compreendendo seis volumes, pediu um prefácio a Jean-Paul Sartre. O filósofo existencialista entuasiasmou-se e escreveu seiscentas páginas datilografadas. O católico François Mauriac qualificou-os de “autores escatológicos”. Um Ministro do Interior quis mandar retirar a edição do mercado, mas não chegou a fazê-lo.

- Sempre tive paciência com a Polícia. Nós nos entendemos: nada se parece mais com um criminoso do que um policia. Somos irmãos: em nossas veias corre a mesma sede de sangue e de violência. Nunca me diverti tanto como uma vez em Nice, no Comissariado onde me detinham. Dormia comigo um polícia, belo, forte e confiante. Furtei-lhe cem francos, durante a noite. Na manhã seguinte, o rapaz procurava o dinheiro por toda parte, nos lugares mais estranhos. Você já viu a cara de um roubado? Cara de roubado dá a impressão de que ele está com cólicas. Fingindo ignorância, eu dizia ao rapaz: vai lá no fundo e te alivia, acho que estás doente. Essa reflexão me salvou de mim mesmo e fiquei com o dinheiro.
Quantos anos Genet terá vivido do roubo? Com a cabeça nua oculta na gola da gabardine, ele olhava de novo para a praça da Bastilha. Um rapaz jogava tac-tac no café e a campainha da máquina soava a cada momento.

- Não sou um revoltado contra a sociedade, mas estou odiando esse rapaz com essa máquina. Adotei o crime aos 22 anos, por indolência. Eu acabara de sair de um orfanato, onde me educaram. Quando digo educaram, falo sério. Ensinaram-me o latim, o grego, a filosofia e a pederastia. Continuo fiel a todas essas matérias, mas o roubo foi idéia minha, uma facilidade excitante. Estávamos em 1932 e tive de fugir para a Espanha, onde continuei roubando. Vivi, nas ruas de Barcelona, Madri, Cádiz e Gilbratar, os mais belos momentos da minha vida. Nessa época, a Espanha estava coberta de vermes: os seus mendigos. Eles andavam de povoado em povoado, na Andaluzia porque tinha sol, na Catalunha porque era rica e em Madri por causa do vício. Tornei-me, pois, um percevejo consciente. Às vezes, dormíamos seis numa cama só. Porque o criminoso profissional não dorme ao relento; sempre encontra um canto onde se aninhar.

PARA ELE O BRASIL ERA UMA ILHA D’ALÉM MAR E D’ALÉM SOL

Da Espanha, Genet voltou à França, com os republicanos derrotados por Franco, sendo internado por poucos dias num campo de concentração próximo de Bayonne.

- A polícia francesa retirou-me do campo para trancafiar-me na cadeia, eu tinha condenação de dois anos. Antes de chegar a Paris, consegui escapar de meus guardas e corri a Europa, na direção de Praga. Então, o aparelho militar alemão começou a funcionar e, com ele, a espionagem. Na companhia de um amigo espanhol, chamado Saliciano, furtei os segredos militares de um coronel iuguslavo sediado em Praga. Mas a quem vender tais segredos? À Alemanha? À Itália? Acabamos jogando fora os papéis. Saliciano me dizia que, se insistíssemos na espionagem, correríamos o risco de escapar à abjeção em que vivíamos. A espionagem é um processo do qual os Estados sentem tanta vergonha que procuram enobrecê-lo para justificá-lo. Dessa nobreza, fui beneficiado.

Voltando mais uma vez à França, nas vésperas da guerra, Genet encontrou o país mobilizado:

- Tratatava-se de vestir uma farda e de ir dormir dentro da linha Maginot, que os alemães souberam contornar: em seis meses de guerra, não demos nenhum tiro. Desmobilizado por Petain, caí na prisão imediatamente. Foi quando escrevi “Lê Journal d’Um Voleur” (Diário de um ladrão). A prisão obrigou-me a debruçar-me sobre o papel em branco. Só os que não vivem podem escrever. A idéia de uma obra literária me faria dar de ombros. Eu preferia viver. Mas, durante a ocupação, as prisões eram horrorosas. Não havia, sequer, a possibilidade de contato humano. Na solidão de minha cela, o mundo era uma torrente, um rio de forças unidas que me conduziam ao mar da morte. Tentando viver, comecei revivendo meus dias gloriosos de libertinagem. Era uma forma de dar voz ao que emudecera. Veja: naqueles dias, eu pensava muito no Brasil, sonhava com o Brasil, e, na minha idéia, o Brasil era uma ilha d’além mar e d’além sol, onde os homens, atléticos, de fisionomias gastas, acocoravam-se em torno de fogueiras, para descascar, em serpentinas, laranjas enormes, como os antigos imperadores romanos nas gravuras.

Tentando explicar Jean Genet, o filósofo Jean-Paul Sartre escreveu: “A Poesia de Genet não é arte literária, é um meio de salvação. Na maioria das vezes, seus poemas se reduzem a uma palavra e não destinam ao público: é uma maneira de viver. Magnificando a abjeção para poder suportá-la, Genet endereça seus poemas a uma ausência divina. Saberá, ao menos, que é poeta? Não sabe. Mas reconhece que se defende da morte. Criança abandonada, foge à sua maldição original e busca seu próprio ser.” Eu preferiria Apolinaire:

“O vicio em tudo isso
não passa de ilusão
que somente enganar
às almas vulgares.”


Justino Martins para a Revista Manchete numero 360, de 14/03/1959.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Edgar Allan Poe, biografia e textos

Edgar Allan Poe nasceu no nº 33 da rua Hollis, em Boston, Massachussetts, a 19 de janeiro de 1809, filho de pobres atores, David e Isabel (nascida Arnold) Poe. Seus pais achavam-se então cumprindo um contrato num teatro de Boston, e as representações de ambos, juntamente com sua permanência em vários lugares, durante sua carreira errante, podem ser acompanhadas plenamente pelos programas de teatro da época.

LINHAGEM PATERNA

O pai do poeta era um tal David, de Baltimore, Maryland, que havia abandonado o estudo de Direito, naquela cidade, para seguir a carreira teatral contra o desejo da familia.Os Poe haviam se estabelecido na América, duas ou três gerações antes do nascimento de Edgar. Traça-se distintamente sua linha ascendente até Dring, da paróquia de Kildallen, do Condado de Cavan, na Irlanda e daí até a paroquia de Fenwick, em Ayrshire, na Escócia. Portanto, derivavam eles dum tronco escoto-irlandês, sendo duvidoso que haja traços de celtas.Os primeiros Poes vieram para a América por volta de 1739. Os imediatos anepassados paernos do poeta desembarcaram em Neswcastle, Delaware, em 1748, ou pocuo mais mais cedo. Eram eles John Poe e sua mulher, Joana McBride Poe, que foram estabelecer-se na Pensilvânia oriental. Este casal teve dez filhos, entre eles David, que foi o avô do poeta. David Poe casou-se com Isabel Cairnes, também de ascendência escoto-irlandesa, e viveram em Lancaster, Pensilvânia, donde tempo antes de rebentar a Revolução Americana, se removeram para Baltimore, Maryland.David Poe e sua mulher, Isabel Cairnes Poe, tomaram partido patriótico da Revolução. David mostrou-se ativo em expulsar de Baltimore os partidários do Rei e foi nomeado “Deputado Quartel-Mestre Assistente”, o que significava ser ele agente de aprovisionamento militares para o Exército Revolucionário.Diz-se que ele prestou considerável auxilio a Lafayette, durante as campanhas da Virginia e do Sul, e por essa patriótica atividade recebeu o título de “General” honorário.Sua mulher, Isabel, tomou parte ativa na confecção de roupas para o Exército Continental. David e Isabel tiveram sete filhos.

David, o mais velho, veio a ser o pai do poeta. Duas irmãs de David, Elisa Poe (depois Sr. Henry Herring) e Mary Poe (mais tarde Sr. William Clemm) entram na história da vida do poeta, a última especialmente, por ter se tornado sua sogra, além de ser sua tia. Com ela viveu de 1835 a 1849.O jovem David Poe estava destinado ao estudo do Direito, mas como já mencionamos, deixou a cidade natal para seguir a carreira de teatro. Sua estréia profissional realizou-se em Charleston, S.C., em dezembro de 1803. Uma notícia local, descreve David Poe como sendo extremamente tímido, ao passo que:“ .....Sua voz parece clara, melodiosa e variável; qual possa ser seu compasso, só se revela quando ele representa libertado de sua timidez. Sua dicção parece ser bem distinta e articulada; e seu rosto e sua pessoa dizem muito a seu favor. Seu tamanho é daquele porte bem adequado à ação geral, se seu talento se adaptasse ao sôco e ao coturno....”É este talvez, o único testemunho direto existente do aspecto físico do pai do poeta. Não se conhecem retratos dele. Suas qualidades histriônicas eram, quando muito, limitadas. Continuou a representar papéis menores em várias cidades do Sul e em janeiro de 1806, casou-se com Isabel Arnold Hopkins, jovem viúva sem filhos, também atriz, cujo marido morrera havia poucos meses. Isabel Arnold Poe veio a ser a mãe de Edgar Allan Poe.

LINHAGEM MATERNA

A jovem viúva com quem David Poe se casou em 1806, nascera na Inglaterra na primavera de 1787. Era filha de Henry Arnold e de Isabel Arnold (nascida Smith), ambos atores no Teatro Real de Covent Garden, em Londres. Henry Arnold morreu, ao que parece, em 1793. Sua viúva continou a prover o sustento próprio e da filha, representando e cantando e em 1796, trazendo consigo sua jovem filha, veio para a América, desembarcando em Boston. A sra. Arnold continuou sua carreira profissional na América, a principio com pouquíssimo êxito. Imediatamente antes ou logo depois de chegar aos Estados Unidos, casou-se pela segunda vez com um tal Charles Tubb, inglês de poucos dotes e pouco caráter.O casal continuou a representar, a cantar e a dançar em várias cidades, por toda a costa oriental e a jovem Srta. Arnold logo foi notada nos cartazes, aparecendo em papéis juvenis, como membro de várias companhias a que sua família pertencia.

O Sr. e Sra. Tubbs desapareceram de vista, aí por volta de 1798, mas a carreira de Isabel Arnold, mãe de Poe, pôde ser seguida cuidadosamente, pelos vários cartazes de anúncios e notícias nos jornais das diversas cidades em que representou, até sua morte em 1811. Foi durante suas viagens como atriz que se casou com C. D. Hopkins, também ator, em agosto de 1801. Não houve filhos dessa união. Hopkins morreu três anos depois, e em 1806, como foi dito antes, sua viúva casou-se com David Poe.O casal continuou a representar juntos, mas com muito pouco êxito. Nasceram-lhe três filhos: William Henry Leonard, nascido em Boston em 1807; Edgar, nascido em Boston em 1809; e Rosalia, em Norfolk, V.A., provavelmente em dezembro de 1810.

Em razão de sua situação sempre de extrema pobreza, o primeiro filho Henry fora deixado aos cuidados de seus avós, em Baltimore, logo após seu nascimento.Edgar nascera quando seus pais cumpriam um contrato no Teatro de Boston. No verão de 1809, os Poe foram para Nova York, onde David Poe ou morreu, ou abandonou sua mulher, provavelmente esta última opção. A Sra. Poe foi abandonada com o menino Edgar e, algum tempo depois, deu à luz uma filha. Lançou-se suspeita, mais tarde, a respeito da paternidade dessa última criança e sobre a reputação da Sra. Poe, suspeita essa que desempenhou desgraçado papel nas vidas de seus filhos. Não é preciso dizer que tal suspeita era injusta.De 1810 em diante, a Sra. Poe continuou com precária saúde, a aparecer em vários papéis, em Norfolk , Va., em Charleston, Sc., e em Richmond. No inverno de 1811 foi prostrada por uma doença fatal, vindo a falecer a 8 de dezembro em situação de grande miséria e pobreza, na casa de uma modista de chapéus escocesa, emRichmond. Foi sepultada no cemitério da Igreja Episcopal de St. John, daquela cidade, dois dias mais tarde, mas não sem pia oposição. Sobreviviam à Sra. Poe três crianças órfãs. Duas delas, Edgar e Rosália, achavam-se com ela ao tempo de sua morte e foram tratadas por pessoas caridosas. Edgar, então com cêrca de dois anos de idade foi levado para a casa de John Allan, negociante escocês, em situação francamente próspera, ao passo que a pequena Rosália recebera abrigo em casa do casal William Mackenzie.

Os Allan e os Mackenzie eram amigos íntimos e vizinhos. As crianças ficaram naquelas casas e o fato de sua criação tornou-se, com o correr do tempo, equivalente a uma adoção..continuará.

CONTOS E POEMAS DE EDGAR ALLAN POE

O CORVO

Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite êrma e sombria
a ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais,
e, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído
tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar.
"É alguém" - fiquei a murmurar - "que bate à porta, devagar;
sim, é só isso e nada mais".

Ah! Claramente eu o relembro! Era no gélido dezembro
e o fogo, agônico, animava o chão de sombras fantasmais.
Ansiando ver a noite finda, em vão, a ler, buscava ainda
algum remédio à amarga, infinda, atroz saudade de Lenora
- essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora
e nome aqui já tem mais.

A sêda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina,
arrepiando-me e evocando ignotos mêdos sepulcrais.
De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia
e a sossegá-lo eu repetia: "É um visitante e pede abrigo.
Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo.
É apenas isso e nada mais.

"Ergui-me após e, calmo enfim, sem hesitar, falei assim:
"Perdoai, senhora, ou meu senhor, se há muito aí fora me esperais;
mas é que estava dormecido e foi tão débil o batido,
que eu mal podia ter ouvido alguém chamar à minha porta,
assim de leve, em hora morta.
" Escancarei então a porta:- escuridão, e nada mais.


Sondei a noite êrma e tranquila, olhei-a fundo, a perquiri-la,
sonhando sonhos que ninguém, ninguém ousou sonhar iguais.
Estarrecido de ânsia e mêdo, ante o negror imoto e quêdo,
só um nome ouvi (quase em segredo eu o dizia) e foi:
"Lenora!"E o eco, em voz evocadora, o repetiu também: "Lenora!"
Depois, silêncio e nada mais.

Com a alma em febre, eu novamente entrei no quarto e, de repente,
mais forte, o ruído recomeça e repercute nos vitrais.
"É na janela" - penso então. " - Por que agitar-me de aflição?
Conserva a calma, coração! É na janela, onde, agourento,
o vento sopra. É só do vento esse rumor surdo e agourento.
É o vento só e nada mais.

"Abro a janela e eis que, em tumulto, a esvoaçar, penetra um vulto:
- é um Corvo hierático e soberbo, egresso de eras ancestrais.
Como um fidalgo passa, augusto e, sem notar sequer meu susto,
adeja e pousa sobre o busto - uma escultura de Minerva,
bem sobre a porta; e se conserva ali, no busto de Minerva,
empoleirado e nada mais.

Ao ver da ave austera e escura a soleníssima figura,
desperta em mim um leve riso, a distrair-me de meus ais.
“Sem crista embora, ó Corvo antigo e singular” – então lhe digo –
“não tens pavor. Fala comigo, alma da noite, espectro tôrvo,
qual é teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu no inferno tôrvo!
”E o Corvo disse: “Nunca mais”.

Maravilhou-me que falasse uma ave rude dessa classe,
Misteriosa esfinge negra, a retorquir-me em têrmos tais;
pois nunca soube de vivente algum, outrora ou no presente
que igual surpresa experimente: a de encontrar, em sua porta,
uma ave (ou fera, pouco importa), empoleirada em sua porta
e que se chama: “Nunca mais”.

Diversa coisa não dizia, ali pousada, a ave sombria,
Com a alma inteira a se espelhar naquelas sílabas fatais.
Murmuro, então, vendo-a serena e sem mover uma só pena,
enquanto a mágoa me envenena: “Amigos ... sempre vão-se embora.
Como a esperança, ao vir a aurora, ELE também há de ir-se embora.”
E disse o Corvo: “Nunca mais”.

Vara o silêncio, com tal nexo, essa resposta que, perplexo,
Julgo: “É isso o que ele diz; duas palavras sempre iguais.
Soube-as de um dono a quem tortura uma implacável desventura
E a quem, repleto de amargura, apenas resta um ritornelo
De seu cantar; do morto anelo, um epitáfio: - o ritornelo
de “Nunca, nunca, nunca mais”.

Como ainda o Corvo me mudasse em um sorriso a triste face,
girei então numa poltrona, em frente ao busto, à ave, aos umbraise, mergulhando no coxim,
pus-me a inquirir (pois, para mim,visava a algum secreto fim)
que pretendia o antigo Corvo,com que intenções, horrendo, tôrvo,
esse ominoso e antigo Corvo
grasnava sempre: “Nunca mais”.

Sentindo da ave, incandescente, o olhar queimar-me fixamente,
eu me abismava, absorto e mudo, em deduções conjeturais.
Cismara, a fronte reclinada, a descansar, sobre a almofada
dessa poltrona aveludada em que a luz cai suavemente,
dessa poltrona em que ELA, ausente, à luz que cai suavemente,
já não repousa, ah! nunca mais ....

O ar pareceu-me então mais denso e perfumado, qual se incenso
ali descessem a esparzir turibulários celestiais.
“Mísero!” – exclamo “ – Enfim teu Deus te dá mandando os anjos, seus
esquecimento, lá dos céus, para as saudades de Lenora.
Sorve o nepentes. Sorve-o, agora! Esquece, olvida essa Lenora!
”E o Corvo disse: “Nunca mais”.

“Profeta!” – brado. “ – Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal
que o Tentador lançou do abismo, ou que arrojaram temporais,
de algum naufrágio, a esta maldita e estéril terra, a esta precita
mansão de horror, que o horror habita,
- imploro, dize-mo, em verdade:EXISTE um bálsamo em Gallad?
Imploro! Dize-mo, em verdade!”
E o Corvo disse: “Nunca mais”.

“Profeta!” – exclamo. “ – Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal!
Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais,
fala se esta alma sob o guante atroz da dor, no Éden distante,
verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Lenora,
- essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora!”
E o Corvo disse: “Nunca mais!”

“Seja isso a nossa despedida!” – ergo-me e grito, alma incendiada.
–“Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernais!
Nem leve pluma de ti reste aqui, que tal mentira ateste!
Deixa-me só neste ermo agreste! Alça teu vôo dessa porta!
Retira a garra que me corta o peito e vai-te dessa porta!”
E o Corvo disse: “Nunca mais!”

E lá ficou! Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
sobre o alvo busto de Minerva, inerte, sempre em meus umbrais.
No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme,
e a luz da lâmpada, disforme, atira ao chão a sua sombra.
Nela, que ondula sobre a alfombra, está minha alma; e, presa à sombra,
Não há de erguer-se, ai! nunca mais!

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O BARRIL DE AMONTILLADO

Suportara eu, enquanto possível, as mil ofensas de Fortunato, mas quando se aventurou ele a insultar-me, jurei me vingar. Vós que tão bem conheceis a natureza de minha alma, não havereis de supor, porém, que proferi alguma ameaça. Afinal, deveria vingar-me. Isto era um ponto definitivamente assentado, mas essa resolução definitiva excluía a idéia de risco. Eu devia não só punir, mas punir com impunidade. Não se desagrava uma injúria, quando o castigo recai sobre o desagravante. O mesmo acontece quando o vingador deixa de fazer sentir sua qualidade de vingador a quem o injuriou.Fica logo entendido que nem por palavras, nem por fatos, dera eu causa a Fortunato, de duvidar de minha boa vontade.

Continuei, como de costume a fazer-lhe cara alegre, e ele não percebia que meu sorriso agora se originara da idéia de sua imolação.O Fortunato tinha o seu lado fraco, embora, a outros respeitos, fosse um homem acatado e até temido. Orgulhava-se de ser conhecedor de vinhos. Poucos italianos tem o verdadeiro espírito do “conhecedor”. Na maior parte, seu entusiasmo adapta-se às circunstâncias do momento e da oportunidade, para ludibriar milionários ingleses e austríacos. Em matéria de pintura e ourivesaria era Fortunato semelhante a seus patrícios, um impostor, mas em assunto de vinhos velhos era sincero. A este respeito, éramos da mesma força. Considerava-me muito entendido em vinhos italianos, e, sempre que podia, comprava-os em larga escala.

Foi ao escurecer duma tarde, durante o supremo delírio carnavalesco, que encontrei meu amigo. Abordou-me com excessivo ardor, pois já estava bastante bêbado. Estava fantasiado com um traje apertado e listado, trazendo na cabeça uma carapuça cônica, cheia de guizos. Tão contente fiquei ao vê-lo, que não cessava de apertar-lhe a mão. E disse-lhe:
- Meu caro Fortunato, foi uma felicidade encontrá-lo. Como está você bem disposto hoje! Mas recebi uma pipa dum vinho, dado como Amontillado e tenho minhas dúvidas.
- Como? – disse ele. – Amontillado? Uma pipa? Impossível. E no meio do carnaval!
- Tenho minhas dúvidas – repliquei, - mas fui bastante tolo em pagar o preço total do amontillado, sem antes consultar você. Não consegui encontrá-lo e tinha receio de perder uma pechincha.
- Amontillado!
-Tenho minhas dúvidas.
- Amontillado!
- E preciso desfazê-las.
- Amontillado!
- Se você não estivesse ocupado ...Estou indo à casa de Luchesi. Se há alguém que entenda disso, é ele. Terá de dizer-me ...
- Luchesi não sabe diferenciar um Amontillado dum Xerez.
- No entanto, há uns bobos que dizem por aí, em matéria de vinhos, vocês se equiparam.
- Pois então vamos.
- Para onde?
- Para sua adega.
- Não, meu amigo. Não quero abusar de sua boa vontade. Vejo que você está ocupado. Luchesi ...
- Não estou ocupado coisa nenhuma ... Vamos.
- Não, meu amigo. Não é por isso, mas é que vejo que você está fortemente resfriado. A adega está duma umidade intolerável. Suas paredes estão incrustadas de salitre.
- Não tem importância, vamos. Um resfriado à-toa. Amontillado! Acho q ue você foi enganado. Quanto a Luchesi, é incapaz de distinguir um Xerez dum Amontillado.

Assim falando, Fortunato agarrou-me o braço. Pondo no rosto uma máscara de seda e enrolando-me num rocló, deixei-me levar por ele, às pressas, na direção do meu palácio.Todos os meus criados haviam saído para se divertirem no carnaval. Dissera-lhes que só voltaria de madrugada e dera-lhes explícitas ordens para não se afastarem de casa. Foi, porém, o bastante, bem o sabia, para que sumissem, logo que virei as costas.

Peguei dois archotes, um dos quais entreguei a Fortunato, e conduzi-o através de várias salas até a passagem abobadada, que levava à adega. Desci à frente dele uma longa e tortuosa escada, aconselhando-o a ter cuidado. Chegamos por fim ao sopé e ficamos juntos, no chão úmido das catacumbas dos Montresors.Meu amigo cambaleava e os guizos de sua carapuça tilintavam, a cada passo que dava.
- Onde está a pipa? – perguntou ele.
- Mais para o fundo – respondi, - mas repare nas teias cristalinas que brilham nas paredes desta caverna.- Ele voltou-se para mim e fitou-me bem nos olhos, com aqueles seus dois glóbulos vítreos que destilavam a reuma da bebedeira.
- Salitre? – perguntou rele, por fim.
- É, sim – respondei – Há quanto tempo está você com esta tosse?
- Eh! Eh! Eh! Eh! Eh! Eh! – pôs-se ele a tossir e durante muitos minutos não conseguiu meu pobre amigo dizer uma palavra.
- Não é nada – disse ele, afinal.
- Venha – disse eu, decidido. – Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado. Você é feliz, como eu era outrora. Você é um homem que faz falta. Quanto a mim, não. Voltemos. Você pode piorar e não quero ser responsável por isso. Além do que, posso recorrer a Luchesi ...
- Basta! – disse ele. – Esta tosse não vale nada.Não me há de matar. Não é de tosse que hei de morrer.
- Isto é verdade ... isto é verdade – respondi – e, de fato, não era minha intenção alarmá-lo sem motivo. Mas acho que você deveria tomar toda a precaução. Um gole de Médoc nos defenderá de umidade.
Então fiz saltar o gargalo duma garrafa, que retirei duma longa fileira empilhada no chão.
- Beba – disse eu, apresentando-lhe o vinho.Levou a garrafa aos lábios com um olhar malicioso. Calou-se um instante e me cumprimentou com familiaridade, fazendo tilintarem os guizos.
- Bebo pelos defuntos que repousam em torno de nós – disse ele.
- E eu para que você viva muito.
Pegou-me de novo pelo braço e prosseguimos.
- Estas adegas são enormes – disse ele.
- Os Montresors eram uma família rica e numerosa – respondi.- Não me lembro quais são suas armas.
- Um enorme pé humano dourado, em campo blau; o pé esmaga uma serpente rastejante, cujos colmilhos se lhe cravam no calcanhar.
- E qual é a divisa?
- Nemo me impune iacessit
- Bonito! – disse ele.O vinho faiscava-lhe nos olhos e os guizos tilintavam. Minha própria imaginação se aquecia com o Médoc. Havíamos passado diante de paredes de ossos empilhados, entre barris e pipotes, até os recessos extremos das catacumbas. Parei de novo e desta vez atrevi-me a pegar Fortunato por um braço, acima do cotovelo.
- O salitre! Veja, está aumentando. Parece musgo agarrado às paredes. Estamos em baixo do leito do rio. As gotas de umidade filtram-se entre os ossos. Venha, vamos antes que seja demasiado tarde. Sua tosse ...
- Não é nada - disse ele. – Continuemos. Mas antes dê-me outro gole de Médoc.Quebrei o gargalo de uma garrafa de De Grave e entreguei-lha. Esvaziou-a dum trago. Seus olhos cintilavam, ardentes. Riu-se e jogou a garrafa para cima, com um gesto que eu não compreendi.Olhei surpreso para ele. Repetiu o grotesco movimento.
- Não compreende? – perguntou.
- Não.- Então não pertence à irmandade?
- Que irmandade?
- Você não é maçom?
- Sim, sim, sim, sim – respondi.
- Você? Maçom? Não é possível.
- Sou maçom, sim.- Mostre o sinal – disse ele.
- É este – respondi, retirando de sob as dobras de meu rocló uma colher de pedreiro.
- Você está brincando – exclamou ele, dando uns passos para trás – Mas vamos ver o Amontillado.
- Pois vamos – disse-lhe eu, recolocando a colher debaixo do capote e oferecendo-lhe, de novo, meu braço, sobre o qual se apoiou ele pesadamente. Continuamos o caminho em busca do Amontillado. Passamos por uma série de baixas arcadas, demos voltas, seguimos para a frente, descemos de novo e chegamos a uma profunda cripta, onde a impureza do ar reduzia a chama de nossos archotes a brasas avermelhadas.No recanto mais remoto da cripta, outra se descobria menos espaçosa. Nas suas paredes alinhavam-se restos humanos, empilhados até o alto da abóbada, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três lados dessa cripta interior estavam assim ornamentados. Do quarto haviam sido afastados os ossos, que jaziam misturados no chão, formando em certo ponto um montículo de avultado tamanho. Na parede assim desguarnecida dos ossos, percebemos um outro nicho, com cêrca de quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. Não parecia ter sido escavado para um uso especial, mas formado simplesmente pelo intervalo entre dois dos colossais pilares de teto das catacumbas e tinha como fundo uma das paredes de sólido granito, que os circunscreviam.
Foi em vão que Fortunato, erguendo a tocha mortiça, tentou espreitar a profundeza do recesso. A fraca luz não nos permitia ver-lhe o fim.
- Vamos - disse, - aqui está o Amontillado. Quanto a Luchesi ...- É um ignorantaço! - interrompeu meu amigo, enquanto caminhava, vacilante, para diante e eu o acompanhava rentee aos seus calcanhares. Sem demora alcançou ele a extremidade do nicho e, não podendo mais prosseguir, por causa da rocha, ficou estupidamente apatetado. Um momento mais e ei-lo acorrentado por mim ao granito. Na sua superfície havia dois anéis de ferro, distando um do outro cêrca de dois pés, horizontalmente. De um deles pendia curta cadeia e do outro um cadeado. Passar-lhe a corrente em tôrno da cintura e prendê-lo, bem seguro, foi obra de minutos. Estava por demais atônito para resistir. Tirando a chave, saí do nicho.
- Passe sua mão - disse eu - por sobre a parede; não poderá deixar de sentir o salitre. É de fato bastante úmido. Mais uma vez permita-me implorar-lhe que volte. Não? Então devo positivamente deixá-lo. Mas é preciso primeiro prestar-lhe todas as pequeninas atenções que puder.
- O Amontillado! - vociferou meu amigo, ainda não recobrado do espanto.
- É verdade - repliquei, - o Amontillado.
Ao dizer estas palavras pus-me a procurar as pilhas de ossos, a que me referi antes. Jogando-os para um lado, logo descobri grande quantidade de tijolos e argamassa. Com estes materiais e com o auxilio de minha colher de pedreiro, comecei com vigor a emparedar a entrada do nicho.Mal havia eu começado a acamar a primeira fila de tijolos, descobri que a embriaguez de Fortunato se tinha dissipado em grande parte. O primeiro indício disto que tive foi um surdo lamento, lá do fundo do nicho. Não era o choro de um homem embriagado. Seguiu-se então um longo e obstinado silêncio. Deitei a segunda camada, a terceira e a quarta e depois ouvi as furiosas vibrações da corrente. O barulho durou vários minutos, durante os quais, para gozá-lo com maior satisfação, interrompi meu trabalho e me sentei em cima dos ossos.
Quando afinal o tilintar cessou, tornei a pegar na colher e acabei sem interrupção a quinta, a sexta e a sétima camadas. A parede estava agora quase ao nível de meu peito. Parei de novo e, levantando o archote por cima dela, lancei uns poucos e fracos raios sobre o rosto dentro do nicho. Uma explosão de berros fortes e agudos, provindos da garganta do vulto acorrentado, me fez recuar com violência. Durante um breve momento hesitei. Tremia. Desembainhando minha espada, comecei a apalpar com ela em torno do nicho, mas uns instantes de reflexão me tranquilizaram.
Coloquei a mão sobre a alvenaria sólida das catacumbas e senti-me satisfeito. Reaproximei-me da parede. Respondi aos urros do homem. Servi-lhe de eco ... ajudei-o a gritar ... ultrapassei-o em volume e em força. Fui fazendo assim e por fim cessou o clamor.Era agora meia-noite e meu serviço chegara ao têrmo. Completara a oitava, a nona e a décima camadas. Tinha acabado uma porção dessa última e a décima primeira. Faltava apenas uma pedra a ser colocada e argamassa. Carreguei-a com dificuldade por causa do pêso. Coloquei-a, em parte, na posição devida. Mas então irrompeu de dentro do nicho uma enorme gargalhada, que me fez eriçar os cabelos. Seguiu-lhe uma voz lamentosa , que tive dificuldade em reconhecer como a do nobre Fortunato. A voz dizia:
- Ah! Ah! Ah! ... Eh! Eh! Eh! ... Uma troca bem boa de fato ... uma excelente pilhéria. Haveremos de rir a bandeiras despregadas lá no palácio ... Eh! Eh! Eh! ... a respeito desse vinho ...Eh! Eh! Eh!
- O Amontillado! - exclamei eu.- Eh! Eh! Eh! ... Eh! Eh! Eh! ... Sim, o Amontillado. Mas já não será tarde? Já não estarão esperando por nós, no palácio, minha mulher e os outros? Vamos embora.
- Sim - disse eu, - vamos embora.- Pelo amor de Deus, Montresor!
- Sim - disse eu, - pelo amor de Deus!Aguardei debalde uma resposta a essas palavras. Impacientei-me. Chamei de voz alta.
- Fortunato!Nenhuma resposta. Chamei de novo!- Fortunato!Nenhuma resposta ainda. Lancei uma tocha, através da abertura remanescente, e deixei-a cair lá de dentro. Como resposta ouvi apenas o tinir dos guizos. Senti um aperto no coração ... devido talvez à umidade das catacumbas. Apressei-me em terminar meu trabalho. Empurrei a última pedra em sua posição. Argamassei-a. Contra a nova parede, reergui a velha muralha de ossos. Já faz meio século que mortal algum os remexeu. In pace requiescat!

quinta-feira, 8 de março de 2007

Guy de Maupassant

Henri-René-Albert-Guy de Maupassant nasceu a 5 de agosto de 1850, no castelo de Miromesnil, a oito quilômetros de Dieppe. Sua família se estabelecera na Normandia desde meados do século XVIII. Foi ali que Maupassant se criou e viveu toda a sua infância e primeira juventude, a principio no litoral, depois no interior da região. "A vagabundagem desses primeiros anos - diz um de seus biógrafos - lhe valeu uma saúde robusta, o gosto do espaço e do ar livre, um perfeito conhecimento dos homens e das coisas que deveria pintar de preferência".

Tinha vinte anos quando deflagrou a guerra franco-prussiana. Alistou-se e fez toda a campanha. Aí também se envolve de perto nos acontecimentos que mais tarde poria em cena. Parte depois para Paris e emprega-se no Ministério da Marinha, de onde passará mais tarde para o da Instrução Pública. Desse mundo do funcionalismo encontram-se igualmente, nas suas obras, numerosas recordações.

Esse período de dez anos (1870-1880) é o período praparatório do escritor. Divide os seus lazeres entre as regatas no Sena e os seus primeiros ensaios literários: teatro, poesia, novelas. Mas todo esse longo trabalho, ele o conserva em segredo. Durante esses dez anos, apenas publicou duas ou tres breves narrativas e meia duzia de poemas. Pode-se dizer que Flaubert é nesta época a única pessoa que sabe da secreta atividade literária de Maupassant. Ele assiste com orgulho à ecolosão do talento de Guy, aconselhando-o e animando-o com incansável paciência. Flaubert, na sua mocidade, fôra amigo íntimo de Alfred de Poittevin, tio materno de Maupssant, e transportou para o sobrinho a afeição e interessa que dedicava ao tio. Sua influência foi decisiva. Maupassant, com as suas qualidades próprias figura na história literária como o descendente direto de Flaubert. É o escritor realista por excelência e universalmente considerado como o fixador da forma clássica do conto.

Seu primeiro volume Des Vers, publicado sob o patrocínio de Flaubert, e sobretudo Boule de Suif, que apareceu no mesmo ano (1880), em Les Soirés de Médan, marcam o fim da aprendizagem. Maupassant é desde então o mestre de sua arte. O enorme sucesso de Boule de Suif lhe permitiu consagrar-se inteiramente ao mister literário, abrindo-lhe a porta de diferentes jornais, onde, durante anos, quase a cada semana, aparece uma crônica ou um conto de sua autoria, sem contar os romances publicados durante o mesmo espaço de tempo.

Maupassant vive então, ora em Paris, ora em Etretat, onde mandara construir um vilino, La Guillette. Mas tinha também a paixão das viagens. E, livre de abandonar-se a seus gostos, perde-se em longos cruzeiros a bordo de seu iate Bel-Ami. Por várias vezes vai até a Argélia; é encontrado na Córsega ou na Sicilia; apraz-lhe fazer longas escalas pelos diferentes portos da Côte d"Azur.

É por volta dos 36 anos que aparecem os primeiros sintomas da doença que o aniquilaria. Escreve menos, e Le Horla sugere que ele está sujeito a alarmantes desvios da imaginação. Começa então a tomar interesse pelos problemas religiosos e, por algum tempo, faz da Imitação o seu livro de bolso.

Mas doenças nervosas herdadas, além do excesso de exercícios físicos e o imprudente uso de drogas, acabam por abalar-lhe a forte constituição; sua misantropia se agrava e ele sofre alucinações. Atingido de paralisia geral, de que a mania das grandezas fôra um dos sintomas, ia ele passar o inverno de 1891 em Cannes, quando sua razão começa lentamente a sossobrar. Em janeiro de 1892 tenta suicidar-se e é removido para Paris, onde morre em penosas circunstâncias a 6 de julho de 1893.


A SALPÊTRIÈRE

(Extraido do "Livro de San Michele" de Axel Munthe, Edição da Livraria do Globo, edição 1947)

" Nunca deixava de assistir às famosas lições das terças-feiras do Professor Charcot, na Salpêtrière, então dedicadas à "grande história" e ao hipnotismo. O vasto anfiteatro regurgitava de um público multiforme que acorria de todo o país; escritores, jornalistas, atores e atrizes, semimundanas elegantes, todos espicaçados por uma curiosidade mórbida de presenciar os supreendentes fenêmenos do hipnotismo, quase esquecido, desde os dias de Mesmer e Braid.

Foi precisamente numa daquelas conferências que travei conhecimento com Guy de Maupassant, já então famoso pela sua Boule de Suif e a inolvidável Maison-Tellier. Falava sempre de hipnotismo e de toda a espécie de perturbações mentais, e não se cansava de questionar-me para conhecer o pouco que eu sabia dessas matérias. Procurava conhecer todos os pormenores a respeito de loucura, pois recolhia material para a sua terrível obra La Horla, quadro fiel do seu trágico futuro.

Uma vez acompanhou-me até Nancy para visitar a clínica do Professor Bernheim, o que me abriu os olhos sobre os erros da escola de Salpêtrière quanto ao hipnostismo. Também fui durante alguns dias hóspedes a bordo do seu iate. Recordo-me perfeitamente de uma noite inteira que passamos falando da morte no salãozinho do seu Bel-Ami ancorado no porto de Antibes. Maupassant temia a morte; disse-me que a idéia da morte quase nunca o abandonava. Queria saber as propriedades dos diferentes venenos, a sua rapidez de ação e relativa ausência de dor. Insistia particularmente sobre a morte no mar. Disse-me que supunha que a morte no mar, sem um salva-vidas, era relativamente fácil; mas, com ele devia ser a mais terrível de todas. Ainda me parece estar a vê-lo, contemplando com seus olhos profundos os salva-vidas colocados na porta e ouvir-lhe dizer que na manhã seguinte os deitaria à água. Perguntei-lhe se pensava em afogar-nos durante o nosso projetado cruzeiro à Córsega. Permaneceu um momento silencioso e por fim respondeu que não, que pensava morrer os braços de uma mulher. Respondi-lhe que tinha as maiores probabilidades, com a via que fazia, de conseguir o seu desejo.

Enquanto falava, Yvone despertou e, meio adormecida, pediu outra taça de champanhe, voltando a adormecer com a cabeça nos joelhos de Maupassant. Era uma bailarina de dezoito anos, acostumada às viciosas carícias dos velhos que freqüentam os bastidores da Ópera, e que ia a caminho de perder-se completamente a bordo do Bel-Ami, nos braços do seu terrível amante. Bem sabia que nenhum salva-vidas a poderia salvar; que a jovem o teria repelido, se alguém lho oferecesse; que, juntamente com o corpo, tinha dado o coração àquele insaciável macho que só pedia o corpo. Sabia qual seria seu destino, pois não era a primeira rapariga a quem vira adormecida com a cabeça nos joelhos do escritor.

Até onde ele era responsável pelos seus atos eis outro problema. O temor lhe acossava o cérebro, dia e noite atormentado transluzia-lhe nos olhos; e eu, já o considerava como um homem perdido. Sabia que o sutil veneno da sua Boule de Suif já começara a destruir aquele magnifico cérebro. Também ele o suspeitava? Assim me pareceu muitas vezes. Sobre a mesa que havia entre nós dois estava o original da sua obra Sur l'Eau, alguns capítulos da qual acabava de ler-me, e que eu reputava o melhor de tudo quanto havia escrito. Continuava produzindo com velocidade febril obras-primas, uma atrás das outras, estimulando o excitado cérebro com champanhe, éter, e toda a espécie de drogas. Mulheres, umas a seguir às outras, em interminável sucessão, precipitavam o colapso, mulheres recrutadas em todos os bairros, desde o Faubourg Saint-Germain, até aos bulevares, atrizes, bailarinas, midinettes, grisettes, rameiras vulgares. Os amigos chamavam-lhe "o touro triste". Mostrava-se desmedidamente orgulhoso dos seus êxitos; aludia a senhoras misteriosas da mais alta sociedade, introduzidas na sua casa da rua Clauzel pelo seu fiel criado François, - primeiro sintoma da sua próxima loucura das grandezas.

Subia às vezes a correr as escadas da Avenida de Villiers, sentava-se a um canto do meu gabinete, olhando-me em silêncio com aquela morbida fixidez de olhar que tão bem lhe conhecia. Permanecia com freqüência alguns minutos parado, a contemplar-se no espelho da chaminé, como se olhasse um estranho. Contou-me um dia que, enquanto sentado na sua cadeira escrevia uma nova obra, sentira uma viva surpresa ao ver entrar no gabinete um estranho, apesar da severa vigilância do criado. O intruso sentou-se na sua frente e começou a ditar-lhe o que ele ia escrever. Dispunha-se a chamar François, para o mandar pôr na rua quando viu com horror que o intruso era ele próprio.

Dois dias depois estava eu ao pé dele na Ópera, entre os bastidores, olhando Yvone, que bailava um pas-de-quatre sorrindo, às escondidas do amante, cujos olhos reluzentes nunca se apartavam dela. Ceamos tarde no elegante andar que ele acabava de alugar para Yvone. Quando ela tirou um pouco as cores do rosto, fiquei espantado ao ver como estava pálida e gasta, em comparação da primeira vez que a vi no iate. Disse-me que sempre tomava éter quando bailava; que não havia nada melhor do que éter como reconstituinte; todas as suas companheiras o tomavam e até o próprio Monsieur le Directeur du Corps de Ballet.


Com efeito vi-o morrer por isso mesmo anos depois na sua casa de Capri. Queixava-se Maupassant de que Yvone emagrecia muito e de noite não o deixava dormir com a sua tosse pertinaz. A seu pedido auscultei-a na manhã seguinte: mostrava graves sintomas no vértice de um pulmão. Disse a Maupassant que a jovem tinha que observar um repouso absoluto, e aconselhei-lhe a que a mandasse durante o inverno para Menton. Maupassant respondeu-me que faria com muito gosto quanto pudesse por ela. Aliás, não lhe agradavam as mulheres magras. A rapariga negou-se em absoluto a partir, preferindo morrer a deixá-lo. Deu-me muito que fazer durante o inverno, e trouxe-me muitos e novo doentes. Uma após outra, as suas companheiras começaram a aparecer pela minha casa da Avenida de Villiers para consultar-me às escondidas, com receio de que o médico titular da Ópera as pudesse deixar a meio soldo. Os bastidores do corpo de baile representavam para mim um mundo novo, não isento de perigo para um explorador inexperiente; porque, desgraçadamente, não era só no altar da deusa Terpsicore que aquelas jovens vestais depunham as grinaldas da sua mocidade. Felizmente a deusa daquelas pobres raparigas foi expulsa do meu Olimpo com os últimos e olvidados sons da Chaconne de Gluck e do Minuete de Mozart, o que restava não representava aos meus olhos mais do que simples acrobacia. O mesmo não acontecia com os habitués dos bastidores. Não cansava de assombrar-me da facilidade com que aqueles decrépitos tenórios perdiam o equilibrio próprio, contemplando aquelas raparigas seminuas, que mantinham o seu na ponta dos pés.

Yvone teve a primeira hemorragia e a doença progredia seriamente. Maupassant, como todos os escritores que descreviam a doença e a morte, odiava vê-las de perto. Yvone tomava duzias de frascos de óleo de fígado de bacalhau para engordar, pois sabia que o amante não gostava de mulheres magras. Tudo em vão. Em breve, da sua bela juventude, não restavam mais do que os olhos maravilhsos, incediados pela febre e o éter. A bolsa de Maupassant continuava aberta para ela, mas de pronto os braços apertaram o corpo de uma das suas companheiras. Yvone arrojou uma garrafa de vitríolo à face da rival. Por fortuna mal acertou, e escapou com dois meses de cadeia, graças à poderosa influência de Maupassant e a um atestado meu em que declarava que a rapariga tinha poucos meses de vida. Ao sair da prisão negou-se a voltar à casa onde vivera com Maupassant, apesar dos seu rogos. Desapareceu na imensidade desconhecida da vasta cidade como um animal condenado que se esconde para morrer.

Uma mês depois encontrei-a, por acaso, numa cama do hospital de Saint Lazare, última estação da Via Crucis das mulheres perdidas de Paris. Disse-lhe que o iria comunicar a Maupassant, o qual, estava certo, não tardaria em procurá-la. Nessa mesma tarde fui à casa do escritor. Não havia tempo a perder. Era fora de dúvida que à pobre não restavam muitos dias de vida. O fiel François mantinha-se no seu habitual posto de cérbero defendendo o amo contra os intrusos. Em vão tentei ser recebido; as ordens eram terminantes. Visita alguma, sob qualquer pretexto podia ser introduzida: era a costumada história da senhora misteriosa. Como único recurso fui obrigado a escrever um pequeno bilhete, referindo-lhe o caso, que François prometeu entregar. Nunca consegui saber se lhe chegou às mãos. Suponho que não, porque François procurava sempre afastar do amo as histórias molestas de mulheres. Quando um dia depois fui a Saint Lazare, Yvone estava morta. Disse-me a monja que tinha passado a manhã a pintar a cara, a pentear os cabelos, e pedira até a uma velha prostituta da cama ao lado que lhe emprestasse o seu xale de seda encarnada, último vestigio de um antigo esplendor, para esconder os ombros esquálidos. À monja dissera que esperava o seu senhor; inquieta, esperou durante todo o dia; mas este não foi. Na manhã seguinte encontraram-na morte no leito. Ingerira até a última gota a poção de cloral.

Dois meses depois vi Guy de Maupassant em Passy, no conhecido manicômio da Maison Blanche. Dava voltas pelo braço de seu fiel François atirando pedrinhas nos canteiros de flores, com o gesto do Semeador de Millet. - Olha, olha - dizia ele, - se vier chuva hão de nascer todas na primavera como pequenos Maupassants."

Tácito

Chamou-se Cornelius Tacitus. Admite-se que haja nascido de boa familia entre os anos de 54 e 56, depois de Cristo. Seu falecimento parece ter ocorrido no ano de 120. Sua vida durou, consequentemente, de 64 a 66 anos, atravessando a fase de governo de vários imperadores.

Entre estes imperadores se incluem Nero, que se suicidou; Galba, que foi assassinado; Oto, que se retirou da existência por suas prórpias mãos; Vitélio, que foi assassinado; Vespasiano Tito, filho de Vespasiano Domiciano, também filho de Vespasiano, e que foi assassinato numa conspiração chefiada por sua esposa; Nerva Trajano, adotado por Nerva como filho e sucessor; e Adriano.

Não se conhece a data exata do nascimento de Tácito, nem o lugar preciso em que tal nascimento se deu. Acredita-se que haja nascido em Terni, na Úmbria, Itália, e falecido em Roma. Quanto aos seus ascendentes, tem-se notícia, apenas, de um funcionário, que também se chamou Cornélio Tácito, mas que não se sabe se foi pai ou tio do historiador. A notícia está na História Natural (VII, 16, 76), de Plinio, o Velho, e diz que o citado funcionário romano administrava os impostos da Gália Belga. Deduziu-se, por aí, que, filho ou sobrinho do aludido cavalheiro de Roma, Tácito procedeu de uma das muitas famílias, cujos varões exerciam cargos fiscais - cargos esses de grandes responsabilidades e também de excelentes oportunidades para a acumulação de fortunas pecuniárias.

É certo que o ascendente mais próximo de Tácito, que se incumbiu da educação deste, fez questão de que o então futuro historiador entrasse para o círculo da melhor sociedade do tempo, e se preparasse para as mais altas dignidades publicas, a fim de receber o laticlavo - a toga dos senadores e cavaleiros da antiga Roma, que se guarneceria de amplo debrum de púrpura.
Também quanto à educação e à carreira pública de Tácito, muitas dúvidas existem, e, provavelmente, nunca mais serão dissipadas.


A este propósito, o mais que se conhece é tomado das referências que o próprio historiador fez de si mesmo, em seus escritos. Como, porém, Tácito pertence ao número dos escritores antigos que menos se deleitaram com contar aos contemporâneos, ou aos pósteros, as peripécias de sua vida particular, os dados disponiveis são parcos. E a melhor fonte, neste assunto, ainda são as onze cartas que Tácito enviou ao seu amigo íntimo, Plínio, o Moço.


Afirma Tácito, nas Histórias (1, I), que "minha situação política começou durante o reinado de Vespasiano, melhorou com o de Tito, e subiu ainda mais com o de Domiciano". Tácito foi, sem dúvida, questor, na época de Vespasiano - tribuno, ou, presumivelmente, edil, ao tempo de Tito (lá pelo ano de 80 ou 8l), quando contava pelo menos vinte e cinco anos de idade. No ano de 77, Tácito fez-se noivo da filha de Cneio Júlio Agrícola, casando-se com ela no ano seguinte (78). Agrícola, genral de magnífica reputação, era cônsul e estava de partida para a Bretanha, a fim de a conquistar, como de fato a conquistou, quando casou sua filha. E por aqui se positiva que Tácito devia descender de família ilustre, porquanto, do contrário, não lhe seria aberta a possibilidade dessa categoria social de matrimônio. De sua esposa, Tácito (em Agrícola, 4) diz apenas que se tratava de "moça de bela esperança".


No ano de 88, em pleno governo de Domiciano, Tácito - como pretor, e como membro de um colégio muito importante de religiosos, a que só pertenciam descendentes de famílias ilustres - presidiu os jogos seculares. No ano de 89, saiu de Roma, ausentando-se por quatro anos. Admite-se que tenha ido administrar uma província nas redondezas da Germânia, e, com mais verossemelhança, a Gália Belga. Das oportunidades proporcionadas pelo posto que foi ocupar é que resultou o livro Germânia, trabalho de observação arguta e profunda a respeito dos povos "bárbaros", contra os quais advertiu os Romanos, por constituirem, no seu pensar, "ameaça" à segurança do Império.


Voltando a Roma no ano de 93, Tácito não se deu muito bem com o regime inicial de Domiciano. Recolheu-se à obscuridade voluntária, aceitando passivamete aquele governo de desconfiança e de terror, para sobreviver. Com a ascensão de Nerva ao trono de Roma, a vida de Tácito, já então senador, se fez novamente próspera, melhorando muito com o advento de Trajano, sucessor de Nerva. No Agrícola, Tácito se refere ao governo de Trajano, dizendo ter sido "um tempo singularmente abençoado"; mas descreve, com evidente amargura, a época de Domiciano, por se haver, durante o governo deste, perdido a melhor parte da sua juventude. Tanto é assim que, superada essa época, Tácito se considera envelhecido e, na verdade, "sobrevivente de si mesmo".


No curso de sua vida, Tácito, que, de modo sumário, na bibliografia romana, aparece com a qualificação de "favorito dos Césares", se viu aureolado de todas as mais elevadas dignidades públicas e intelectuais a que um cidadão do seu tempo poderia aspirar - afora a dignidade de imperador. Viveu vida intensa, por vezes sombria, sem dúvida, mas quase sempre iluminada por acontecimentos aristocráticos, de ampla significação política e social. Foi admirado e querido pelas mulheres de sua época, sendo, igualmente, admirado e querido pela juventude que anisava por adquirir, ou imitar, a magia da sua eloqüência e a técnica superior da oratória.


Moralmente, Tácito foi homem moderado, de costumes predominantemente austeros, preferindo, sem prejuízo do seu gênio, o equilibrio da virtude média e sensata aos exageros do fanatismo, que cegam, ou aos transbordamentos do entuasiamo, que embrigam.